quinta-feira, 18 de março de 2010

Nuances de personalidade

E ele sabia que era ela
Seu rosto refletia-se naquela rosa
A mais bela do jardim
Seu sorriso estava
naquela boca gostosa de criança
Seus braços voavam nas asas
daquela águia
Sentia seu hálito
Com a brisa da manhã
Seus afagos naquelas folhas
orvalhadas
Sua presença ao nascer do sol
Era toda graça
Ele sabia...
Ele sabia que ela existia
Era sua desgraça
Ele sabia que ela era sonho
Sabia que era ela
Assoviando com a tempestade
Se dissipando nas areias do deserto
Cantando mágicas músicas
Sabia que ela estava lá
Escorrendo de seus devaneios
Vagando solta nas asas da borboleta
Com seus cabelos louros, negros
Seu olhar verde, azul, castanho
Grande... em toda sua magia
Com toda sua metamorfose
Ele a tinha... ele sabia
Era ele ou era ela
Que não existia?

sábado, 11 de julho de 2009

A CHANCE



-Amor, tô indo! Gritou Ricardo para sua esposa que estava no quarto com o pequeno Gabriel arrumando-o para ir ao colégio. O garoto já cursava a primeira série. Ana gritou de volta:
-Não vai tomar o café que eu te preparei com todo carinho? Não vem nos dar um beijo de tcha?
-Tô muito atrasado, tchau.
-Ah pai, eu quero um abraço!
Ricardo já nem ouvia o filho, não podia chegar atrasado ao serviço. Andava sempre atrasado, andava estafado. Não via a hora de chegar suas férias. Descansar. Ter mais tempo para a esposa e para o filho, (sorriu maliciosamente) e também para sua amante Gorete. “Ô mulher gostosa!” Não teve muito trabalho para conquistá-la. Gorete era uma mulher de formas exuberantes, mas Ricardo não queria nada dela além do sexo. Gorete queria que ele abandonasse a família e fosse morar com ela. Isso ele sempre prometia a ela, mas é claro que isso não ia acontecer, apenas ganhava tempo e sexo. “Quem sabe se a gente não podia ter um filho também?” (dizia ela).
Ricardo entrou no carro, colocou no CD Player sua música favorita e saiu cantando os pneus e a música... “Tenho andado distraído, impaciente e indeciso e ainda estou confuso só que agora é diferente, tô tão tranqüilo e tão contente...”
Parou no semáforo vermelho.
- Droga de vida! Desse jeito vou chegar atrasado de novo! Depois tenho de agüentar a cara feia e a chatice do Seu Danilo.
O farol abriu. “Graças a Deus” – pensou ele.
Outro farol vermelho.
- Droga. Droga. Que merda!
Quando o farol abriu uma senhorinha que ia a sua frente demorou alguns segundos a sair e ele irritado tacou a mão na buzina. Depois encostou o carro lado a lado com a senhorinha e gritou:
- Vai pilotar fogão, sua velha caquética!
A senhorinha sorriu para ele e gritou:
- Bom dia pra você também, filho!
Por um momento Ricardo sentiu-se desconcertado, depois pensou “Que velha doida!”
O trânsito estava um sufoco e a toda hora Ricardo olhava para o tão valorizado rolex.
Terceiro farol fechado.
- Droga, merda! Se aquele idiota tivesse saído da frente eu conseguiria escapar desse maldito farol.
Ricardo estava tão irritado que nem percebeu dois rapazes que sorrateiramente se aproximavam do seu carro. Um dos rapazes encostou o revólver no ouvido dele e disse:
- Rápido, passa para o banco do passageiro e feche os olhos. Se abrir o olho eu te mato.
Aturdido e sem chances pulou para o banco ao lado e fechou os olhos.
O primeiro bandido entrou e abriu a porta de trás para seu comparsa que disse a Ricardo:
- Se tu abri o olho malandragem, ou fizer qualquer gracinha tenho uma PT bem aqui nas suas costas, não vou pensar duas vezes antes de pintar o painel do seu carro com seus bofes vermelhos, tá entendendo?
Os bandidos saíram como se nada tivesse acontecendo.
- O que vocês querem? – balbuciou Ricardo.
-Cala a boca Mane, nem um pio.
Ricardo suava em bicas. Pensou em se jogar do carro, mas a esta altura os bandidos já haviam pego um caminho sem trânsito e corriam em direção sabe-se lá para onde.
Andaram de carro com ele por mais de duas horas quando chegaram num local onde só tinha mato.
- Desce Mane! E não olhe pra trás. – Ordenaram
_Pelo amor de Deus, fiquem com tudo, mas não me mate!
- Cala a boca e vá andando. A mata era espessa, arranhavam-se, eram picados por pernilongos sedentos. Andaram mata adentro por mais de uma hora.
Ricardo não se atrevia mais a abriri a boca, estava apavorado. Os dois bandidos também iam quietos, falando alguma coisa um para o outro muito de vez em quando.
- Aê! Esta árvore já está à pampa. – Disse o mais magro e branquelo.
-É! Acho que já tá bom! – Respondeu o rapaz que era negro. – Tira toda a roupa Mane, fica só de cueca que eu não tô a fim de ver você mijar de medo.
Pelo amor de Deus, eu...
O branquelo deu-lhe uma coronhada na cabeça. O sangue correu.
Chorando Ricardo tirou toda a roupa e então com as próprias roupas foi amarrado firmemente àquela árvore.
-Vai ficar aí bunitinho até sua mulher pagar o resgate. Anda, dá o número do telefone da sua casa. Ah! Vamu levá esse rolex também.
Atordoado ele deu o número do telefone implorando:
- Não me deixem aqui, por favor!
Os bandidos se afastaram rindo da cara dele.
- Bebê chorão! Vira homi rapá!
Quando Ricardo deu-se conta de que estava sozinho e bem amarrado no meio daquela mata, começou a gritar por socorro. Gritou até ficar sem voz e sem forças. Tentou se desamarrar, mas nada. Tinham amarrado seu pescoço com a gravata, suas mãos para trás com a camisa, suas pernas com as calças e o paletó.
Os mosquitos e pernilongos fartavam-se de seu sangue. Passara o dia inteiro ali, angustiado, pensando na escuridão da noite que se aproximava.
Lembrou-se da esposa sempre tão carinhosa com ele, lembrou-se do filho, o pequeno Gabriel que sempre lhe implorava atenção, mas o tempo ocioso que tinha gostava de tomar uísque e transar com a Gorete. Sentiu remorso. Prometeu a Deus que se conseguisse se livrar dessa enrascada seria tudo diferente. Daria mais atenção à família, pensaria menos em trabalho e nunca mais trairia sua esposa. “Querido, vai sair sem me dar um beijo? Arrependeu-se de não ter voltado, dado um beijo na esposa e no filho e dizer que os amava muito, mais que tudo nessa vida. Mas não, ao invés disso saiu correndo como sempre. Nem tomara o gostoso café da manhã que Ana preparara-lhe com tanto carinho, não beijou seu filho. Teve náuseas ao lembrar que iria tomar café da manhã com Gorete que agora lhe parecia tão insignificante.
Lembrou-se dos pais. Fazia mais de um ano que não ia visitá-los. Sua mãe sempre telefonava para ele, queria saber como ele estava, (ridículo) encurtava a conversa. Tantas vezes pensou em dizer para sua mãe que ela era uma chatice. A voz da mãe inundava-lhe a mente agora. “_Oi filho, como vai? E a Ana? E o Gabriel? Estão todos bem! Que bom, filho.”
Quando sua mãe desligava o telefone era um alívio para ele.
A turma do serviço tirava um barato da cara dele:
“-Oi bebê! É a mamãe! Põe o seu casaquinho de lã e seu cachecol. Olha, a mamãe fez bolinho de chuva pro você, tá!”
E todo mundo ria.
_Que saco! Mãe enche a paciência da gente né! – Dizia ele meio sem graça, mas participando da gozação.
Muito de vez em quando seu pai ligava e aí ele já sabia! Já ia pedir que ele fosse com a família visitá-los no sítio. Que chatice.
Não, não era chatice! Arrependia-se agora de não ter visitado mais seus pais. De dizer que os amava muito.
A noite veio tenebrosa e ele tremia de medo e de frio. Estava com sede, com fome também. Os tornozelos, os braços e o pescoço estavam em carne viva, mas mesmo assim não conseguia se soltar. Não podia dormir para esquecer dos problemas em que estava agora.
De repente pânico. “E se eu morrer aqui?”
- Socorro, socorro, estou aqui, me ajudem. Gritava para o nada no meio da escuridão, mas nada, nenhuma resposta. Ficou rouco e a garganta seca piorou.
-Meu Deus, não me deixe morrer assim, só e abandonado no meio dessa floresta. Eu preciso pedir perdão à minha esposa, ao meu filho que gosta tanto de brincar comigo, aos meus pais.
A noite era negra e às vezes parecia-lhe escutar passos. Não sabia se gritava ou se ficava quietinho. Seus lábios estavam rachados, seu corpo todo em calombos vermelhos.
“Que ironia” – Pensava ele – “Eu, um homem rico,de posses, estar aqui assim: pelado, com sede e com fome. Deus, ajuda que minha esposa pague logo o resgate e que me encontrem. Juro, serei outro homem. Pensou na senhorinha que ele havia xingado no trânsito e arrependeu-se.
O dia amanheceu e suas esperanças de ser encontrado aumentou. Ouviu um barulho de avião, mas não pôde vê-lo tão densa eram as copas das árvores.
Não tinha mais forças para gritar. Prometeu a Deus que se ele conseguisse escapar dessa perdoaria até os bandidos que o colocara ali. Abriria um orfanato para as crianças de rua, pois agora sabia o que era passar fome, frio e sede.
Pensou no patrão e no dia em que foi promovido a vice-gerente da firma. É... O patrão dele, Seu Danilo, era uma pessoa muito boa. Ele, Ricardo, é que era um ignorante e mal agradecido. Ele que era chato com os subalternos às vezes humilhando-os. “Perdão meu Deus.”
O dia foi longo e a noite chegou pavorosa novamente.
Colocou a cabeça meio de lado e sem saber como: dormiu., pois ao acordar já o sol aparecia.
Assustado deu-se conta da sua situação. Se pudesse ter outra chance. Se pudesse começar de novo.
Começou a gritar desesperado, pois sentia suas forças minando. Gritou, gritou e gritou.
Dia!
Noite!
Dia!
Noite!
Já perdera a conta e a consciência de tudo, não mais sabia há quanto tempo estava lá.

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Dez anos depois, uma expedição de alunos que estudavam botânica encontrou um amontoado de ossos humanos ao pé de uma árvore. A polícia foi chamada e os ossos foram levados para averiguação.
“Ele não teve outra chance.”

Pinpix

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quinta-feira, 2 de julho de 2009

CICLO DA VIDA




A primavera estava indo embora e o verão chegava resplandecente, ensolarado.
No meio daquele parque ficava aquela velha árvore centenária. Dizem que um velho monge budista ali havia plantado aquela sementinha. Era , agora, um enorme carvalho. Durante a primavera encheu-se de folhagem nova, verdinha.
Agora no verão, seus galhos e folhas verdes serviam de repouso para os velhos e crianças. Quantos piqueniques ali naquela sombra! Risadas de crianças felizes, sono leve dos mais velhos. Quantas juras de amor e corações cravados naquele tronco que sangrava. Ninhos de pardais, tico-ticos, bem-te-vis e tantas outras aves que emprestavam seus belos cantos à paisagem. quase relando no pé dos carvalho corria um pequeno riacho de límpidas águas espelhadas que desciam em pequenas cascatas das grandes pedras logo adiante.
Milhares de folhas verdes faziam a alegria da natureza.
O verão passou rápido e depois dele chega o outono. As folhas clorofiladas agora estão se tornando amareladas. Brisas sopram a copa da árvore e folhas vão se desprendendo para dar espaço a outras que logo virão.
Aquela pequena folhinha teimava em ficar na copa da árvore, não queria desgarrar-se dali. Ali tinha bela vista da paisagem. Segurou-se até o fim. Gostava de ouvir o canto dos pássaros, gostava de ficar perto do azul do céu, de ver as nuvens brancas a se transformarem em desenhos, sentir a brisa balançando-a. se lembrava ainda de quando era apenas um pequeno e frágil brotinho despertando para a vida, crescendo ao farfalhar de suas amigas. Sentiu medo quando algumas de suas amigas começaram a amarelar e a despencar para o abismo do chão. Algumas mergulhavam no riacho e se iam para sempre, outras eram levadas pelo vento. Então agora era ela que amarelava, porém já o medo se esvaía, sabia que como as amigas anteriores a ela lhe deram passagem para nascer e crescer, também ela agora tinha esta missão. Veio o vento e ela soltou-se do galho. Foi soprada para longe e ao cair encontrou-se com velhas amigas.
Agora ela sabia que enriqueceria o solo adubando-lhe para que a próxima primavera fosse tão linda e extasiante como esta que ela presenciou. Sentiu-se aliviada, pois sabia que de alguma forma, ela, aquela pequenina e frágil folhinha, de alguma forma tinha feito parte do grande ciclo da vida.

FAVELA




Neguinho, Curruila e Bola. Três amigos que moravam na favela. Eram amigos, quase irmãos. Estavam sempre juntos. Na favela nasceram e dali ainda não tinham condições de sair.
Neguinho era magrelo e gostava de usar as calças deixando entrever o elástico da cueca de “marca”. Era moda.
Curruila, apesar de ser da raça negra , era o mais claro entre os três, tinha o rosto miúdo e era o mais baixo ta turma.
Bola, apesar do apelido, não era gordo, ganhara esse apelido porque desde que nascera gostava de uma bola, era seu brinquedo favorito e agora aos dezesseis anos de idade jogava um bolão como ninguém. Às vezes dava até briga quando a turma se juntava para jogar uma pelada, os dois times queriam o Bola, pois no time que ele entrava era jogo ganho na certa.
Neguinho namorava Dalcilene, a qual, carinhosamente ele chamava de Lêni.
Bola estava ficando com a Sheron, não era namoro, era apenas ficar.
Curruila aos dezessete anos de idade já tinha uma filha com Suzana, mas não quisera ficar com ela, apesar de sempre ir visitar a filha Ana Paula que já contava com seus dois aninhos.
Os três amigos gostavam, às vezes, de ficar em cima da laje da casa do Bola para falarem sobre o futuro.
“-Cêis vai vê mano, um dia ainda vo tê um carrão da hora”. – Dizia sempre Neguinho que era apaixonado por carros.
“-E eu, mano, quero tê uma casa de responsa pa vivê, no banheiro vai tê hidromassage e tudo.” – Sonhava Curruila.
“-Eu tamém mano, quero tê um lugar de responsa, colocá minha véia pa vivê que nem gente bacana.” – Dizia Bola.- “- Eu vô sê um grande jogadô de futebol e aí ceis vai vê o Bola aqui, dano entrevista na televisão e tudo! Porra, caralho mano, vai enchê de loira no meu pé. Vô comê uma por dia. Que nem o Ronaldinho.”
“-É mano, minha véia tá pegano no meu pé p’reu arrumá serviço.” – Comentava Curruila. “- Se eu jogasse um bolão que nem você Bola, eu já tava era rico; quer dizer, milionário”.
E assim era a vida dos três. Não tinham emprego fixo, mas sempre se viravam para ganhar uns trocados.
Cuidavam dos carros dos “bacanas” nas ruas, vendiam cerveja no trem e nos faróis em dias muito quente e de vez em quando faziam um bico de vendedor pelas feiras perto ou longe da favela. Estudo? Já há muito tempo desistiram de estudar, os professores pegavam muito no pé, o Conselho Tutelar já cansara de ir atrás dos três. Até que eles gostavam da professora de Português porque ela sempre contava uma história antes de começar a dar aula, mas era só isso.
Nenhum deles conhecera o pai. O pai do Bola quando ficou sabendo da gravidez da namorada “deu linha na pipa” (como dizia Bola).
O pai do Curruila, que era nordestino, voltou para a sua terra natal e nunca mais deu notícia.
O pai do Neguinho foi assassinado e até hoje nunca pegaram o culpado. Ouvia-se pela favela que tinha sido a polícia.
Certa vez estavam os três jogando uma partida de futebol na quadra do Centro Social Urbano quando um “olheiro” prestou atenção nas peripécias do Bola e viu nele grande futuro. Ficou empolgado e depois do jogo foi falar com ele convidando-o a treinar e a jogar pelo Nacional. Esse foi o dia mais feliz do Bola. Neguinho e Curruila diziam:
“-Olha lá hem! Num vai isquecê dos mano aqui da favela hem!
“-Nunca! Cêis são meus irmãozinho! Nooossa! Caralho!, num disse que meu dia ia chegá? Num disse hem?!
Os três se abraçaram e pularam gritando:
“-Timão eô! Timão eô! Um dia cê vai jogá é no timão!”
Quando a mãe do Bola ficou sabendo da notícia, chorou de emoção abraçada ao filho. Agora tinha certeza de que a vida sofrida ia acabar, estava no fim. Já começava a sonhar com uma vida mais digna. Quando seu filho tivesse ganhando muito dinheiro ela não mais precisaria lavar roupa dos outros para ganhar uns trocados. “-Obrigada, meu Deus! Obrigada!”
Curruila chamou os amigos para comemorar no bar do Zeca.
“-Zeca, desce uma loira gelada que vamu comemorá o melhor jogador do mundo! Esse cara aqui vai batê os dois Ronaldinho!”
Zeca botou a cerjeja sobre o balcão e brincou:
“- Tem ninguém pra batê o Ronaldinho Gaúcho não hem!”
“-Ê... qualé Zeca? Tá duvidano do mano aqui, é? Cê vai vê cara! Vô jogá é no timão! Meu nome vai ficá na história. Vô dexá a marca do meu pé na calçada dos melhor do mundo!”
Os três riam e sonhavam, devaneando sobre quando o Bolão tivesse ganhando um montão de “grana”. Ia comprar uma Ferrari, uma mansão no Morumbi, ia ajudar as mães do Neguinho e do Curruila porque Dona Maria e Dona Suzete era “firmeza”.
De repente gritaria, correria.
Um carro preto cantando os pneus parou em frente ao boteco, dois encapuzados desceram metralhando todo mundo. Depois, rapidamente entraram no carro e partiram em alta velocidade.
Zecão, o dono do bar caiu morto debruçado sobre o balcão, Neguinho e Curruila caíram mortos um por cima do outro, outros fregueses também caíram alvejados. Bolão tentou correr, mas caiu ferido em um dos becos. Socorrido veio a notícia do médico: “- Nunca mais vai andar, o tiro pegou a espinha, vai ficar paralítico.”
No noticiário da noite: “Mais uma chacina na favela, esta é a décima primeira do ano. Cinco mortos e um ferido. A polícia diz que a causa é a guerra entre os traficantes.”
Nas televisões do Brasil todo ninguém ligava para a notícia. Era coisa corriqueira. Um senhor chegou a comentar: “- É isso mesmo, bandido tem que morrer.”
Na favela três mães de velhos conhecidos nosso, choravam inconsoláveis a tragédia.

terça-feira, 30 de junho de 2009

UMA FRAÇÃO DE SEGUNDOS


UMA FRAÇÃO DE SEGUNDO

A voz de sua mãe ainda ecoava em sua mente: “Leve agasalho, meu filho, falou no Jornal Nacional que vai esfria à tarde.”
_Tô levando, mãe. Tchau.
Engraçado, ele não se lembrava se havia beijado sua mãe quando saiu. Sentia-se estranho. Lembrou-se e riu sozinho; acho que estava com nove ou dez meses de vida quando levou um tombo da cama, ele era tão pequeno que a altura da cama até o chão pareceu-lhe um precipício, rodou... rodou... até ouvir o baque seco de seu corpo no chão. Tudo escureceu e quando acordou se viu já com seus seis ou sete anos, brincava de bicicleta com seus amigos. Qual era mesmo o nome de cada um? Tuca, Chorão, Riva e Celo. Riu de novo sozinho. Chorão tinha esse apelido porquê chorava à toa. Qualquer coisa ele abria o berreiro, ninguém gostava de brincar com ele, mas até que ele era legal, quando tinha doces sabia dividir.
Brincava muito de bicicleta nas ruas esburacadas e sem asfalto da cidade de Francisco Morato, sua terra natal. Que ano era mesmo aquele em que ele e sua turminha ficava o dia inteiro zoando pelas ruas? Era 1.985 ou 1.986? Não conseguia se lembrar, mas lembrou que adorava brincar na linha do trem, gostava de nadar nas lagoas que existiam, quer dizer, que ainda existem entre as estações de Francisco Morato e Franco da Rocha.
De repente ele percebeu que estava dentro do trem, a caminho de seu serviço. Era ajudante geral de uma gráfica localizada na Avenida São João. Ele desembarcava na Estação da Luz e seguia a pé até o seu destino. Será que ele estava dormindo? Olhou em volta e viu um rosto conhecido. Era a Jéssica, linda como sempre. Sorria para ele. Ele sorriu de volta, ia levantar-se para conversar com ela quando ouviu gritos, olhou em direção ao tumulto e ficou estarrecido, uma criança sentada no colo do pai havia acabado de levar uma pedrada perto do olho esquerdo, abriu um corte muito profundo e o sangue escorria caindo pelo braço do pai desesperado.
_A pedra veio de fora!_ Gritavam.
_Estanca o sangue com a mão!
_Abram espaço pra criança respirar.
A menina gritava de dor e o pai angustiado não sabia o que fazer.
Novamente devaneios. O rapaz lembrou-se que quando era criança e brincava na linha do trem também gostava de atirar pedras contra os vagões que passavam velozmente. Será que algum dia também provocara uma desgraça dessas? Encolheu-se no banco e ficou quietinho. Parecia que todos aqueles olhares o estavam censurando
_Tá vendo o que você fez?
_Ela vai ficar cega por sua culpa! Sua culpa!
“_Leve o agasalho, meu filho. Vai esfriar. Falou no jornal. Você não vai me dar um beijo?”
É mesmo, ele lembrou-se agora que não havia beijado sua mãe quando saiu de manhã.
Ficou enjoado e vomitou. Sua cabeça doía.
Olhou novamente em direção à Jéssica. Ela continuava sorrindo para ele. Ele ficou envergonhado, acabara de vomitar. As pessoas se afastaram um pouco. Olhou de soslaio para cada rosto que ocupava aquele vagão. Engraçado, o trem estava tão cheio e ainda assim, dali de onde ele estava, conseguia ver todos os rostos de uma ponta à outra do vagão. Uma mulher estava triste, percebeu. Acho que tinha brigado com o marido antes de sair de casa. Não. Não era nada disso, ela estava indo visitar o filho internado com AIDS na Santa Casa de Misericórdia no bairro de Santa Cecília. “Ué, como ele sabia disso?”
Um grupo de homens jogava baralho, absortos com a distração não pensavam em seus problemas particulares.
Um casal de jovens se beijavam freneticamente.
O rapaz sorriu. Quanta vida! Quantas histórias escritas naquele espaço.
Sentiu um ventinho gelado, era o ventilador do trem que lhe soprava. Arrepiou-se. Procurou a blusa dentro da mochila e ouviu ecoar novamente a voz da mãe: “Leve o agasalho, meu filho. Vai fazer frio.”
Pensou na sopa quente de lentilhas que só sua mãe sabia fazer. Nas brigas que provocava com sua irmã quando achava que ela comia mais que ele. Na saudade que sentia de seu pai...
Por quê será que ele estava se lembrando de tantas coisas? Que estranho! Mas lembrou-se que quando o trem saiu às cinco horas da Estação de Francisco Morato ele havia ficado pendurado na porta, estava muito lotado, mas se ele não arriscasse chegaria atrasado no serviço.
Ainda bem que agora estava sentado e fora de perigo.
_Puxem a trave de segurança do trem! Um rapaz acabou de despencar da porta!
_Ai, coitado! Ficou todo esmagado!
_Cruzes! Ave Maria três vezes!
_Também, sabe que é perigoso ficar pendurado na porta e não tá nem aí.
O rapaz lembrou-se de novo que não havia beijado sua mãe quando saiu de manhã.